Brasileiristas
A Era do Dinheiro Fácil
(The Age of Easy Money)
Documentário criado em 2022 com base em dois anos de investigação. Autoria da PBS.
Modelo de negócio da PBS
A PBS é financiada por uma combinação de taxas pagas por estados-membros , da Corporation for Public Broadcasting, campanhas de doações de fundações privadas e cidadãos individuais. Todo o financiamento proposto para a programação está sujeito a um conjunto de normas para garantir que o programa esteja livre de influência da fonte de financiamento.
A Era do Dinheiro Fácil (The Age of Easy Money): 10+ anos de juros baixos e intervenções diretas no mercado financeiro para estimular a economia dos EUA.
Este documentário reporta o período pós quebra do banco Lehman Brothers, especializado em financiamento imobiliário, até a sua publicação em 2023.
Capítulo 1 - Uma Medida de Emergência
Na crise de 2008, o governo americano gastou uma enorme quantia de dinheiro tentando reiniciar a economia, e o centro desta iniciativa foi o FED - Federal Reserve (equivalente americano do Banco Central brasileiro). De forma equivalente ao corpo humano, onde o coração fornece o suprimento de sangue para o corpo, o mercado financeiro fornece o suprimento fundamental da economia.
Ainda mantendo a mesma analogia com o corpo humano, em 2008 o pânico se instalou no mercado: "todas as veias, artérias e capilares do corpo" (econômico) colapsaram quando o Lehman Brothers quebrou. Os títulos do Lehman Brothers eram considerados super seguros e foram adquiridos por muitas instituições financeiras ao redor do mundo. A quebra de confiança entre as instituições e entre instituições e o público em geral produziu uma onda de resgates e saques ao mesmo tempo que travou os negócios entre instituições. O resultado foi que algumas instituições financeiras começaram a quebrar por indisponibilidade de recursos (inclusive fora dos EUA).
Em tempos normais, a função da FED se resume a promover o pleno emprego e manter a inflação sob controle, principalmente através do aumento e da redução das taxas de juro de curto prazo, tornando os empréstimos mais baratos ou mais caros. No meio da crise, a FED baixou as taxas para zero, o que não era feito há mais de 50 anos, e não foi o suficiente para reativar os canais econômicos travados pela crise de confiança. Precisavam encontrar outras opções.
Sob a batuta de Ben Bernanke, então chairman do FED, conceberam então o QE (Qualitative Easing): o FED comprou em larga escala diversos títulos do mercado (títulos do governo e de empresas - os bonds, ações de empresas e até seguros hipotecários, o que jamais havia sido feito na história do FED) em uma tentativa de recuperar o valor destes ativos e reduzir as taxas de juros praticadas pelos agentes financeiros, além de aumentar a quantidade de dinheiro em circulação e disponibilizar mais recursos para negócios e indivíduos. Mais resumidamente, fizeram uma maciça injeção direta de dinheiro no sistema financeiro enquanto baixavam as taxas de juro. Em tese não há limite a ser respeitado pelo FED para esta operação - como autoridade monetária máxima, pode emitir dinheiro sem qualquer lastro físico, com o risco de produzir indicadores econômicos negativos, como inflação e desvalorização cambial. Mas era uma medida emergencial, a economia global estava implodindo.
No outono de 2008 as autoridades monetárias "colocaram o preto no branco": anunciaram que comprariam 25% do mercado financeiro no prazo de 15 meses!
Nos esforços para reaquecer e normalizar a economia americana (e mundial), o FED injetou mais de UM TRILHÃO DE DÓLARES na economia americana, supondo que o dinheiro que eles estavam fornecendo aos bancos seria também emprestado a pequenas empresas e indivíduos, mas apesar de em um primeiro momento a economia ter reagido ao movimento do FED, os bancos pegaram a maior parte do dinheiro e - investiram em si mesmos!! Investiram nos mesmos títulos que o FED comprava com a intenção de recuperar o valor (o FED avisou o mercado que o preço destes ativos iria subir através do processo de gestão de crise).
Ou seja, os bancos não participaram, dentro do modo que o FED havia planejado, do esforço de reaquecimento da economia, ao invés disso simplesmente tentavam maximizar o retorno para os acionistas com a melhor rentabilidade da praça, a qual não era emprestar dinheiro para famílias e os pequenos negócios. Os bancos jogavam seu próprio jogo, com o tabuleiro que o FED colocou na mesa. Ou simplesmente tinham ideias diferentes de como proceder em seus negócios.
Capítulo II - Volatilidade e Raiva
Os resultados do banco foram magníficos. Já no final de 2009 os bancos voltaram a ganhar muito dinheiro. Em plena crise financeira, executivos de instituições financeiras acumularam US$ 20 bilhões em bônus por resultados, o que levou o presidente Obama a expressar claramente sua desaprovação: “Vergonhoso. Haverá tempo para eles obterem lucro e ganharem bônus.”
Naquele tempo a inflação estava bem abaixo da meta do FED de 2% a.a. - o que sinalizava uma baixa demanda, o desemprego estava alto, e as execuções hipotecárias continuaram altas em todo o país. Havia mesmo algo de muito errado na economia.
Ou seja, os mecanismos financeiros foram reativados graças às políticas de injeção de dinheiro no sistema financeiro, mas esta recuperação beneficiou apenas partes da economia: principalmente o setor bancário e o setor financeiro foram beneficiados, enquanto vários outros continuaram com dificuldades de crédito .
A sociedade americana entretanto reagiu: uma série de comícios começou a acontecer, a exclusão (na prática) das pessoas comuns na recuperação econômica criou um novo movimento social. As únicas constantes políticas passaram a ser a volatilidade e a raiva, a perda de fé no sistema político e na própria economia. E este é o momento em que o movimento que ficou conhecido como Tea Party ascendeu, especialmente indignados com o pacote de 800 bilhões de dólares que o presidente Obama e o Congresso aprovaram em 2009 para relançar a economia.
Com um sentimento do grande público de fracasso econômico, toda a reivindicação do Tea Party era impedir mais intervenções de Washington na economia. Em resumo era uma agenda de "NÃOs": "Não façam mais isso, não façam mais aquilo." Entre os mantras da época, estavam: “Precisamos restaurar a sanidade fiscal desta nação.” Ou “Que isso sirva de alerta ao Congresso: nós não trabalhamos para vocês, vocês trabalham para nós!” ou ainda: "No vácuo político, parem o FED." Na ocasião Sarah Palin era governadora do Alaska e o principal rosto do movimento. E muitos políticos republicanos, na época na oposição ao governo Obama, se aproveitaram do momento político.
Capítulo III - Uma Política Radical
Após as eleições de meio de mandato (presidencial), quando os republicanos venceram significativamente, Obama agiu e o FED não perdeu tempo: realizou outro round de QE não só para estabilizar a economia, mas também para a impulsionar.
Mas a insatisfação era tão grande que até este movimento de incentivo produziu muitas críticas: qualquer que fosse a visão ideológica sobre o tamanho e a influência do governo na sociedade, eram as instituições democráticas que deveriam sempre conduzir o processo - e não o FED. Mas o Congresso e os políticos estavam paralisados… a pergunta era se as instituições democráticas na América estariam se tornando cada vez menos capazes e cada vez menos eficazes.
O país dependia naquele momento de instituições não democráticas (não eleitas) para reverter a crise econômica. Na prática um comitê de 12 pessoas do FED estava tomando as decisões econômicas. O FED reagiu e foi à TV amenizar as críticas: “eles estão avaliando o risco de agirmos e faltam avaliar o risco de não agirmos”. Mas as críticas à política do QE também aconteciam dentro do "Petit Comitè" de 12 pessoas do FED, apesar de francamente minoritárias: a política de juros próximos de zero beneficiava os "gastadores" e penalizava os poupadores.
Capítulo IV - Perigosamente Viciados
A taxa de juros muito baixa tornava investimentos de renda fixa pouco atrativos, ao contrário dos investimentos de risco - como as ações. Com a foco do mercado nas ações. os preços dos ativos subiram artificialmente pelas políticas do FED. Empresas como a IBM, a GE ou a Apple (e muitas outras) tiveram seu valor de mercado muito aumentado sem que incrementassem significativamente seus padrões operacionais ou chegassem a alguma inovação importante.
O mercado de ações e a mídia especializada não pareceu se incomodar muito na época, afinal todo mundo (do mercado financeiro) estava fazendo dinheiro: “Não lutem contra o FED!”
O FED tornou-se um player de mercado. Os mercados tornaram-se perigosamente viciados no dinheiro fácil do FED. “Fique de olho 👁️ no Tesouro e no mercado…” e faça parecido na hora de investir seus ativos.
Após várias rodadas de Qualitative Easing (QE), e muitos ganhos no mercado financeiro, totalizando cerca de US$ 2 TRI, o FED começam a cogitar se era hora de reduzir o QE. Isto ocorreu em 2013!! O FED começou a recuar como comprador no mercado. A consequência foi que o mercado tornou-se disfuncional – e passou a cair.
“Os mercados são como uma criança: eles querem doces e, no minuto em que você tenta tirar os doces, eles sentem uma certa “tensão”.
O então presidente do FED Ben Bernanke precisou ir a uma conferência em Boston desmentir que o FED mudaria a política. E precisou fazer isto sempre que tentava renunciar à politica do QE! O mercado queria dinheiro fácil, como se fosse uma dose de dopamina.
O presidente Obama mudou a indicada para Janet Yellon e ela conseguiu tornar a situação um pouco mais administrável. Ela conseguiu pausar temporariamente a política do QE com menor tensão. Ela prometeu ao mercado que o FED manteria, por algum tempo, o enorme estoque de ações que havia adquirido e os juros de curto prazo em patamar baixo.
Capítulo V - Quem É O Dono Dos Ativos
Joseph Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel e um dos economistas mais conhecidos da América, estava preocupado com a desigualdade na riqueza, porque o FED manteve o dinheiro público para manter os preços das ações. Mas quem são os proprietários dessas ações? Quem seria realmente o público beneficiado pelas medidas do governo, ou em outras palavras, o trilionário incentivo governamental feito por anos havia parado em que mãos?
A resposta era óbvia: as pessoas do topo, o que aumentava enormemente a concentração da riqueza e a desigualdade. O movimento de desigualdade nos EUA havia crescido desde o final da década de 70, mas o QE havia levado este movimento a outro patamar.
O presidente do FED de Minneapolis levantou a mesma preocupação (a ÚNICA autoridade oficial do FED que concordou em falar com a PBS): ele fez parte do esforço para colocar a economia de volta ao funcionamento e ajudou a aumentar os salários, especialmente para os americanos de baixa renda . Segundo ele, se as ações do FED tiveram efeito positivo em Wall Street ao mesmo tempo que aumentou índices de trabalho e renda, terá valido a pena.
A grande maioria dos americanos não possui casa, não tem ações, não tem 401k (plano de aposentadoria privada), o ativo mais valioso que possuem é o seu emprego. Ao ajudar as pessoas a regressarem ao trabalho e a aumentarem os seus salários, a FED estava acrescentando valor ao bem mais valioso que as pessoas com baixos rendimentos possuíam.
Em 2015, e economia reagia e os números do emprego melhoraram dramaticamente. Centenas de milhares de novos empregos eram gerados por mês, o que presumidamente tirava um pouco do peso das críticas sobre o governo e o FED. Mas as críticas continuavam, Karen Petroupor - uma senhora que havia passado a vida operando no sistema financeiro - questionava a comparação de um emprego com um ativo, para aquele americano que trabalha em três empregos no caixa de um supermercado e mesmo assim tem dificuldades de pagar suas contas mais essenciais.
O entrevistador pontuou que o período entre 2015 a 2020 foi considerado o período de recuperação econômica: o desemprego atingiu mínimos históricos, e havia uma espécie de consenso que a economia estaria em boa situação. Karen Petropor discordou novamente dizendo que a grande maioria dos americanos estava economicamente ansiosa, uma percentagem significativa de pessoas da classe média não se submetia a tratamentos médicos porque acreditavam que não podiam pagá-los. E 40% dos EUA não teriam 400 dólares num fundo para "dias chuvosos", em risco de endividamento se o pneu do carro estourasse. Sobre o desemprego recorde, comentou que era uma forma convencional adotada pelo FED para medir a eficácia dos programas de recuperação. Mas as pessoas trabalhavam para comer, não por um ideal nobre, etc.
Sobre o modelo que o FED usou para medir o sucesso pela redução recorde do desemprego, ela citou Paul Krugman: "imagine 4 caras em um bar, cada um ganhando US$ 60 mil/ano, e de repente Jeff Bezzos adentra o mesmo bar. Ele está ganhando “godzilian dólares (😂) todos os dias, então a média de renda dos clientes do bar é agora altíssima, mas isto melhora de alguma forma a vida dos outros caras que já estavam no bar ? Não!"
Segundo ela, estas são estatísticas distorcidas, e o FED precisava entender quanto cada um tem para compreender o que se passa com a economia, em vez de tomar a média como doação.
Capítulo VI - A Oportunidade Perdida
Já em 2016 a sensação crescente na sociedade de que o sistema não estava funcionando suficientemente bem para os pobres e para a classe média tornou-se o fato central na campanha populista de Donald Trump. Quando uma sociedade tem a classe média em dificuldades e o topo está a obter ganhos quase inimagináveis, isso começa a corroer a base cívica.
O clichê “o sistema está fraudado” era ouvido (e repetido) o tempo todo. Toda a campanha de Trump estava baseada em incendiar o sistema. Declarava que iria "drenar este pântano", ao mesmo tempo que prometia aproveitar as baixas taxas de juro provenientes da política de QE e criar milhões de empregos para reformar as cidades e reconstruir a infra-estrutura: rodovias, pontes, túneis, aeroportos, escolas, hospitais, tudo cabia no discurso.
Quando conquistou a cadeira presidencial, a paralisia política de Washington se intensificou, tornando virtualmente impossível fazer grandes investimentos. O Congresso não se mostrava disposto a aprovar o dinheiro. A oportunidade de desenvolvimento físico da economia que Trump havia capturado estava sendo perdida pela falta de uma política de direcionamento do dinheiro e da política de juros baixos do QE para os lugares certos. O FED dizia que podia manter os juros baixos, podia trabalhar para manter a confiança dos investidores em alta, mas que não podia obrigar a construção de uma ponte ou a reformar uma escola, por exemplo.
Rana Foroohar, editora associada do Financial Times referiu-se a este momento como a oportunidade perdida, uma vez que foi o dinheiro mais barato em décadas e os EUA não construíram infra-estruturas, não renovaram suas escolas públicas, etc.
Ao invés de aprovar uma política de investimentos para aproveitar a conjuntura econômica do QE, a maior vitória legislativa do governo Trump foi uma lei para cortar impostos que na prática impulsionaria ainda mais os mercados e aprofundaria ainda mais a desigualdade econômica.
Algumas autoridades do FED pensaram que se tratava de uma oportunidade para começar a retrair as políticas de incentivo que haviam viciado os operadores do mercado financeiro americano.
Capítulo VII - O FED Hesitou
Jerome Powell foi nomeado em 2017 para liderar o FED por Trump (e se encontra na posição até os dias atuais). Considerado um dos mais talentosos e profundamente competentes técnicos em atuação, havia passado toda a sua carreira próximo de muito dinheiro e de altas autoridades de governo. Considerado um conservador, ele pretendia abraçar a visão desregulamentadora da economia, e era também um homem de Wall Street, com experiência na negociação de dívidas corporativas.
A FED já havia começado a aumentar as taxas de juros e a reverter o QE, num movimento denominado Qualitative Tightening (QT). Ele comunicou ao mercado que as baixas taxas de juros adotadas quando a economia quebrou não eram mais necessárias nem apropriadas. O mercado reagiu violentamente (isto já em 2017, quase 10 anos após a crise de 2008!!!). Eles tiveram o PIOR dezembro desde a Grande Depressão de 1929!! E o sistema financeiro global repercutiu e entrou em curto-circuito.
A resposta de Trump foi culpar o FED pelo problema e o presidente que ele nomeou (no Twitter!). Chamado de “aperto qualitativo ridículo. Mesmo mencionando que o FED não sabia o que estava fazendo, “eles não têm a menor ideia”, pedindo para baixar as taxas e parar o QT!!
A mensagem que Trump passava: se o mercado financeiro não gostasse de algo do FED, o FED reverteria o curso. Jerome Powell na ocasião perdeu reputação (mas está no cargo até a presente data). Os analistas económicos e investidores assistiram a uma capitulação do FED perante o mercado financeiro. Todos pensavam que daquele momento em diante ele cederia às pressões da Casa Branca ou do mercado. Ficou óbvio que as obrigações do FED, que seriam primariamente manter a inflação baixa e o emprego alto, incluiriam a partir de então manter o mercado de ações em alta.
Capítulo VIII - Uma Sanguessuga Gigante
Em 2019, a Política de QE do FED já durava uma década. O que havia sido concebido como uma emergência para salvar a economia do país e do mundo na crise de 2008 havia se tornado o status quo. Aproveitando as taxas baixas do FED, as empresas de capital privado passaram a comprar uma grande parte da economia utilizando dinheiro emprestado. Concentrando riqueza e propriedade de tudo, como casas e hospitais. Outros exemplos: “Sea Worlds”, Busch Gardens, rede de lanchonetes Birds Eye, livrarias, redes de hotéis Hilton e Waldorf, etc. O plano era comprar as empresas, "consertar o que estava quebrado" e depois vender.
Esse movimento foi até o oeste, até o Vale do Silício. Este movimento atingiu o Capitalismo de Risco. Eles investiram meio bilhão de dólares em uma indústria iniciante de entrega de alimentos, no AirBNB,… A consequência talvez mais desestabilizadora para a economia desta política de taxas de juro baixas foi incentivar as empresas públicas a assumirem cada vez mais dívidas. O mesmo valeu para o mercado corporativo.
Numerosos estudos sobre essa dívida foram divulgados mostrando a extensão do problema (as dívidas corporativas atingiram 10 trilhões!!) e as empresas tiveram suas de crédito derrubadas, como seria de se esperar. O governo criou linhas de crédito corporativo para as empresas pegassem o dinheiro e investissem na força de trabalho e nas suas infraestruturas, mas a realidade fosse diferente.
As empresas usaram o dinheiro para recomprar suas próprias ações(!!!), as quais ficaram ainda mais caras - e o valor total das empresas subiu muito. Nas empresas eles percebem que tudo o que importa é o preço das ações e a questão é: o que temos que fazer para aumentar o preço das ações? A recompra de ações foi a resposta fácil e rápida.
Embora o plano original da FED fosse obrigar as empresas a construir novas instalações, criar novas máquinas e empregos e desenvolver novos produtos, o que fizeram foi recomprar ações e investir na automação para eliminar empregos. E pagar grandes bônus aos executivos (em grandes corporações o bônus para executivos está normalmente associado à evolução dos preços das ações).
A situação toda era um grande embaraço. Sheila Bair, uma reguladora aposentada do setor bancário, emitiu alertas públicos ao mercado sobre o mau comportamento em Wall Street. Ela postulou que seria difícil culpar as empresas porque o ambiente econômico era favorável para elas fazerem exatamente o que estavam a fazer. É difícil criar um novo produto ou ter uma ideia para um novo serviço. É mais fácil criar alguma dívida e apenas pagar aos acionistas…. Esta é uma economia distorcida que não criou valor real para as empresas, mas sim bons indicadores.
O setor financeiro passou a ficar a serviço de si mesmo. Comprar e vender ativos existentes em vez de ajudar empresas e pessoas reais. A impressão de muitos, porém, foi que algo realmente maravilhoso estava acontecendo porque com os fundos de aposentadoria do 401k solidamente investidos em fundos de ações, o dinheiro de todos teve o mesmo efeito.
Isto criou uma situação desconfortável até mesmo para os investidores históricos. A porcentagem do PIB que ia para o setor financeiro passou de 3,5% para 8,5%, apesar de não fabricarem absolutamente nada. A expressão "sanguessuga gigante" foi cunhada pelo investidor histórico Jeremy Grantham para se referir ao setor em que opera. Segundo ele, criaram mais e mais instrumentos financeiros complexos para fazer a mesma coisa, que é de onde vêm os lucros do setor. E também muitas estratégias de vendas e lobbys políticos. Venderam para a sociedade a ideia de que o setor financeiro é fundamental para a economia todo o tempo, e se alguma coisa vai mal para eles, toda a economia sofrerá as consequências.
Sobre a maciça recompra corporativa e o aumento da dívida das corporações, a mensagem que as empresas passam é que não têm lugares lucrativos para investir, e com a abundância de dinheiro, recompraram suas ações. Isto é preocupante para o futuro da economia, mas não por causa do FED (este é um discurso de 2021!).
Algumas pessoas de Wall Street mencionaram que os preços das ações estão completamente desligados de quaisquer motivos econômicos. E isso basicamente beneficiou apenas as pessoas ricas. O contraponto seria que estes argumentos ignoram o benefício para os pobres. Ele respondeu sobre as opções que o FED tinha e as potenciais compensações para os pobres, tais como mais empregos e salários mais elevados.
Capítulo IX - Uma fonte de Instabilidade
Para além do debate sobre os efeitos secundários do FED QE, houve uma preocupação crescente sobre a situação em WALL STREET. O que aconteceria com as empresas se ocorresse um endividamento ainda maior e se ocorresse uma reviravolta negativa? O mais preocupante alerta foi a migração de atividades bancárias para setores não regulados, para as instituições financeiras não bancárias.
De acordo com Mohamed A. El-Erian, Economista-Chefe Conselheiro, as finanças tornaram-se cada vez maiores e cada vez mais arriscadas. A natureza dos riscos mudou, bem como a capacidade das autoridades de compreenderem o que se passava, porque estas instituições não eram regulamentadas, tampouco supervisionadas da mesma forma que o setor bancário tradicional.
A expressão adotada naquela época foi “shadow banking”, ou seja, atividades bancárias que aconteciam em instituições financeiras não bancárias. Empresas de gestão de ativos, fundos de hedge, não estão bem regulamentados para a atividade bancária , mas que de repente tornaram-se sistemicamente importantes.
De acordo com Lev Menand, que esteve no Federal Reserve Bank de NY como conselheiro de economia entre os anos de 2016-2017, todos os que tivessem fundos em “bancos paralelos” teriam um incentivo para retirar-se quando enfrentassem qualquer incerteza. Isso causaria a venda de ações e, se várias pessoas o fizessem ao mesmo tempo, poderia travar todo o sistema. Devido à fraca regulamentação e à enorme dimensão, variações negativas no mercado ou mesmo pequenas crises poderiam ser amplificadas por movimentos maciços de venda de ativos nestas instituições, causando impactos grandes para toda a economia.
Em Julho de 2019, o presidente do FED, Jerome Powell alertou alguns congressistas sobre a potencial instabilidade no sistema bancário paralelo que estava no radar do FED. Foi questionado sobre o risco de um problema neste sistema bancário paralelo se espalhar pelo sistema bancário paralelo mais amplo, e foi-lhe respondido que poderia suscitar uma preocupação a nível nacional e até global. Portanto, seria algo a ser seriamente monitorado.
No final de 2019, poucas medidas foram tomadas pela FED, pelos reguladores financeiros ou pelo Congresso para controlar o risco, e o sistema permaneceu vulnerável a um choque, que chegou no início de 2020.
Capítulo X - O que For Preciso
Muito rapidamente o FED descobriu que a pandemia iria dirigir a economia. Mas até onde chegaria aos EUA, até que ponto se espalharia e qual poderia ser a resposta dos cuidados de saúde, os níveis de incerteza escalaram ao máximo. Os mercados caíram significativamente (ainda em fevereiro de 2020, quando a COVID ainda não era um problema nos EUA). Muitas pessoas queriam dinheiro nas mãos, em vez de ações.
Todas as fragilidades financeiras patrocinadas pelas políticas de QE do FED ficaram expostas e o funcionamento do mercado começou a regredir em cascata para o fracasso. As pessoas estavam simplesmente vendendo qualquer coisa que começasse a cair. A resposta do FED: QE novamente!! Comprou centenas de bilhões de dívidas das instituições financeiras. Em meados de Março de 2020, um trilhão de dólares já havia sido transferido para o sistema bancário paralelo e a taxa de juro foi reduzida para perto de zero.
Todo o dinheiro que o FED injetou na economia ao longo dos anos para gerir a crise de 2008, Jerome Powell repetiu isso em apenas UM FINAL DE SEMANA!! E constataram que não foi suficiente, e tiveram de intervir ainda mais!
E no meio deste cenário de crise, enquanto ocorria a injeção de trilhões de dólares na economia, veio a constatação que teriam de recorrer ao lockdown. A economia real seria parcialmente paralisada para proteger o máximo de pessoas em consequência da pandemia de COVID.
O desemprego foi alto. O sustento de milhões estava sendo suspenso pelo próprio governo, em um movimento sem precedentes. O governo teria de conceber algo igualmente sem precedentes para socorrer os americanos, e assim o fez: o maior estímulo econômico foi aprovado num acordo bipartidário, o Cares Act de 2,2 TRILHÕES DE DÓLARES, ser pago diretamente para pequenas empresas e para famílias, em contraste com os auxílios anteriores onde o dinheiro foi transferido para instituições financeiras. O que estava sendo feito nem era tão sofisticado: analisavam o mercado, e onde quer que encontrassem dificuldades, derramavam dinheiro naquele setor.
A mensagem foi enviada ao mercado: o governo faria o que fosse preciso. Eles chegaram perto do caos financeiro, mas as chamas foram apagadas rapidamente. Alguns disseram que o governo não estava atacando o problema apenas com uma bazuca, mas com uma bazuca, canhões, tanques e tudo mais. A maioria das pessoas, entretanto, não se deu conta que haviam chegado na beira do abismo...
Capitulo XI - O Risco Moral
Ao longo dos anos, fomos treinados para acreditar que o FED estava ao nosso lado. Se fizermos uma aposta no mercado e ganharmos, estaremos sozinhos. Mantemos os lucros. Se perdermos, eles farão o que for necessário para nos salvar.” Há um aspecto negativo nesta crença, um risco moral: se os investidores cometem erros e são socorridos pelo governo, são livres de assumir riscos como um hábito comum. Se algum operador atuar agressivamente e tiver sucesso, ganhará dinheiro. Mas se falhar, será socorrido pelo FED.
Assumir riscos passou a ser uma ação recompensada e isso levou a mais riscos sendo assumidos.
“As pessoas falam sobre a sobrevivência do capitalismo, mas este é a maior ameaça ao capitalismo. Nos bons tempos, todos ganham dinheiro, mas nos maus momentos o FED intervém e ajuda a todos. Começou a parecer com um cassino.
Neel Kashkari, Presidente e CEO do Federal Reserve Bank de Minneapolis: Estou orgulhoso do que fizemos, foi a coisa certa a fazer, foi necessário, mas concordo plenamente que temos de fazer isto novamente é inaceitável, como cidadão americano, que tenhamos o sistema financeiro sob este nível de risco e com esta vulnerabilidade.
A responsabilidade do FED, sobre o sistema financeiro ter mergulhado tão profundamente no risco de um choque: todos os que têm assento no comitê têm responsabilidades e o FED deve aproveitar esta crise para terminar o trabalho. Uma política regulatória incompleta teria levado a este cenário.
Capítulo XII - A Orgia da Especulação
Nos meses seguintes após a aprovação do Cares Act de 2,2 trilhões de dólares, milhões perderam os seus empregos e alguns necessitaram de ajuda com necessidades básicas, como alimentação. Em Abril de 2020, foram perdidos 20 milhões de empregos - a taxa de desemprego atingiu cerca de 15%. O que deveria se esperar do mercado diante de tais circunstâncias? Queda certa, mas não foi o que ocorreu.
O país se deparou com um cenário onde más notícias são boas notícias. No meio de uma verdadeira turbulência econômica, Wall Street teve a melhor semana em 45 ANOS!! A situação era a seguinte: sempre que surgia uma má notícia, o mercado diz: o FED terá que fazer mais. E nos meses seguintes o mercado de ações americano teve um recorde após o outro.
Mesmo depois de passada a emergência pandémica inicial, a FED injetava na economia 120 bilhões de dólares por mês! As medidas extraordinárias de 2010 haviam se tornado procedimento ordinário em 2020. Como consequência da enorme quantidade de dinheiro disponível, alguns tipos de ativos responderam. Os preços das casas dispararam. As taxas de inflação, entretanto, não refletiram a situação. Para os americanos mais ricos foi uma época extraordinária.
Os bilionários detêm 2/3 a mais em riqueza do que as pessoas 50% mais pobres. Este pequeno grupo, de Março de 2020 a Fevereiro de 2021, aumentou a sua riqueza em 1,3 trilhões de dólares. Até mesmo alguns desses bilionários temiam que o FED estivesse alimentando aquela bolha perigosa.
O mercado imobiliário, o mercado de ações e o mercado de títulos, todos superfaturados ao mesmo tempo. O que quer que estivessem fazendo, não deveriam permitir a ocorrência de bolhas desta magnitude!
A consequência desta euforia foi que ela se tornou irresistível também para os pequenos investidores. Bombeando mais gasolina no fogo. E mais, publicando esse comportamento nas redes sociais criando comunidades próprias – e criando um novo consenso econômico.
Havia dinheiro demais disponível. E não havia tantos lugares para colocá-lo. Então as pessoas começaram a investir em ativos ainda mais especulativos, como bitcoins, sem se preocupar com o valor subjacente da criptomoeda. Da mesma forma, ninguém se interessa pelo valor subjacente de uma empresa, só o que importa é o preço das ações. Algo tipo "A grande teoria dos investidores idiotas".
Vários grandes nomes do setor de entretenimento começaram a anunciar as criptomoedas. “A fortuna favorece os corajosos!” Era fácil ser capturado pelas cryptos, especialmente quando se via vizinhos, amigos e pessoas das redes sociais ganhando muito dinheiro em um determinado lapso especial de tempo... Neste cenário abundaram teorias buscando trazer racionalidade para uma conjuntura irracional.
Alguns investidores sérios começaram a se manifestar. A orgia da especulação começou no primeiro semestre de 2021, especialmente no setor de criptomoedas que está protegido de regulações e fiscalizações nacionais. A preocupação de um superaquecimento estava mais que posta e era questionada por alguns especialistas. O contraponto a esta questão foi: se o FED começar a aumentar a taxa de juros para conter a compra de bitcoins, quem pagará esta conta não seria quem estava desempregado?
Capítulo XIII - Economia 101
Havia uma preocupação de que as ações do FED iriam aumentar a inflação, mas não eram apenas as ações do FED que pressionavam para este efeito. O governo Biden mandava cheques de 1400 dólares para cada americano, estendendo a liquidez da economia através de seguros desemprego, créditos fiscais e outras politicas de alívio da COVID.
A preocupação estava no aumento geral da capacidade financeira diante de uma eventual crise de abastecimento causada pela COVID. O estímulo maciço não havia sido pareado nem na crise global de 2008. Argumentavam que o estímulo deveria ser mais seletivo. E, como esperado, os preços subiram. E o governo comunicou que se tratava de uma situação transitória.
Apesar de contraditório, o governo optou por administrar a situação pontualmente, sem alterar suas macropolíticas. As questões apresentadas a representantes do governo sobre a política monetária do FED eram respondidas com o princípio de autonomia da autoridade monetária e por isso não seriam comentadas.
Os estímulos do governo Biden ajudaram a rápida recuperação da economia entre os anos 2021 e 2022, mas a inflação continuou a subir no ritmo mais acelerado das últimas décadas, atingindo mais duramente a classe média.
Capítulo XIV - Um mundo diferente
No final de fevereiro de 2022 filas enormes se formavam para conseguir uma cesta de alimentos em bancos de comida. A situação estava pior do que na pandemia, pq em 2022 havia menos comida disponível que na pandemia. Pessoas trabalhando sem capacidade econômica de comprar sua própria comida. As pessoas tinham dificuldades de se manterem. Novas famílias buscaram moradia em abrigos, algumas irritadas e em crise emocional por precisarem recorrer ao suporte social.
Capítulo XV - As Coisas Ficarão Piores
No outono de 2021 (set-out-nov), com a inflação em 6,8%, muito acima da meta de 2% do FED, Jerome Powell, o presidente do FED, reconheceu que o termo "transitório" não era apropriado para explicar o que estava acontecendo na economia.
O FED começou a aumentar a taxa de juros e a reduzir a injeção de dinheiro no mercado. A guerra na Ucrânia, lockdowns tardios na China e aumentos de preços pelos fabricantes de produtos serviram de argumento para o FED acentuar as medidas de contenção inflacionária.
Em agosto de 2022 durante uma conferência anual de bancos centrais, Jerome Powell indicou que a prioridade do FED seria conter a inflação e que para isto continuaria no caminho de elevação dos juros. Questionado sobre como isso poderia ajudar as famílias no aspecto inflacionário, pontuou que quando elevam juros, as pessoas compram menos casas, mas a elevação do preço do gás não é causada pelo FED, mas pela guerra na Ucrânia... ou seja, o FED não responderia por todos os problemas econômicos do país.
A previsão de alguns especialistas era de que o FED manteria taxas de juros mais latas por um ano ou dois para conter a inflação para a meta de 2% ao ano. E sinalizavam que as coisas ficariam mais difíceis à frente. O aumento da taxa de juros reduziria a demanda, e a necessidade de produção das fábricas. E colocaria empregos em risco. A pressão sobre o FED passou a vir das centrais sindicais, para não tomar medidas radicais.
Para obter um melhor controle inflacionário as previsões para a economia eram de índice de desemprego ascendendo de 3,5% para 4,5%, o que significava milhões de pessoas sem empregos em decorrência da política econômica. Questionado sobre este efeito, a resposta do FED foi afirmar que quando se teve recessão causada pelas políticas monetárias o FED, uma vez que as metas tenham sido atingidas e as políticas ajustadas, a recuperação econômica foi sempre muito rápida.
Capítulo XVI - A Maré Vai Embora
Ao longo de 2022 a economia americana se manteve forte, o nível de desemprego de manteve baixo e o FED continuou a aumentar as taxas de jutos para conter a inflação, e quem reclamou forte foi o mercado. A situação foi definida como não usual: perdas de dois dígitos em ações e em títulos do tesouro, causando perda de fundos de investimentos e fundos de pensão. O mercado imobiliário caiu para o menor nível em 12 anos. Criptomoedas também passaram a cair. Estas ações não eram desconectadas com as politicas do FED.
As bolhas, quando surgem e não importa em que área, são a tendência quando se tem dinheiro barato. E também tem a tendência de surgirem juntas em várias áreas, e caírem juntas. Porque o mesmos fatores que incentivam bolhas em um ativo, estarão presentes para os demais ativos. E quando desaparecem, desaparecem para todos os ativos. Há uma fala famosa de Warren Buffett, sempre muito repetida por operadores do mercado financeiro : "Só se descobre quem está nadando pelado quando a maré baixa."
Os mercados caíram 20% no ano de 2022 e na época não se sabia se este movimento iria continuar em 2023 ou se alguma correção adicional iria/vai acontecer em momentos futuros, pois os juros foram mantidos muito baixos durante longo período de tempo, e muito dinheiro foi colocado em circulação. Uma bolha é uma espécie de sonho, que pode em algum momento virar um grande pesadelo.
O setor americano nunca esteve tão alavancado, e os riscos de ajustes nunca foram tão reais. Há muito dinheiro em circulação e se ajustes (que parecem inevitáveis em algum horizonte de tempo) ocorrerem rápido demais, as consequências serão grandes e afetarão famílias, empresas e governo.
Em 2023 um sinal de ajuste do mercado apareceu: do início de março ate começo de maio, o Sylicon Valley Bank e outros 3 bancos: o Signature Bank, o Silvergate e o First Republic Bank quebraram e o FED precisou atuar de novo. A fragilidade estava associada à política monetária, alguns críticos acreditavam que se as políticas de juros baixos não tivessem sido levadas a cabo por tanto tempo este cenário de crise bancária provavelmente não aconteceria.
Semanas após a nova quebradeira, Jerome Powell foi instado a falar no Congresso para um show político de críticos ao governo contra os juros altos, excesso de gastos e altos impostos. O mundo do dinheiro fácil tinha ido longe demais, chegando a contaminar até os políticos de oposição (republicanos) que questionaram duramente o presidente do FED por mais... QE.
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